sábado, 3 de março de 2012

Sobre a música e a vida

Se bem me lembro, foram nos idos de 1993/94, tendo eu por volta dos meus 12 anos, que a música começou a se tornar algo diferente em minha vida. Como grande parte das pessoas (senão todas - fugindo de unanimidades), sempre escutei música. O filho caçula, de uma prole de 4, absorvi muito do gosto musical dos meus irmãos mais velhos. Antes de me atentar para música, já escutava e cantava músicas do Ultraje a Rigor, Guns n'Roses, Pink Floyd, Paralamas, Dire Straits, Sepultura, e por ai vai... mas como vinha dizendo, foram nos idos de 1993/94, que a minha relação com a música começava a se desenhar de uma outra forma. Um dos discos que fez parte desse momento, foi o primeiro do Gabriel, O Pensador,
no qual havia uma música chamada Hoje eu tô feliz, matei o presidente, na qual ele contava uma história onde matara o presidente Collor. A época, 2 anos tinham se passado do impeachment do Collor, lembro das manifestações, dos caras pintadas na tv e das falcatruas desse governo... pois bem, outras músicas do cd, como Abalando, Lavagem Cerebral, Indecência Militar e Resto do Mundo, vinham como murros na barriga, atentando para contradições de nosso país. A música deixava de ser somente um mero insturmento de diversão, coisa para dançar. A coisa passava a ficar séria! hehehe  Ela havia se tornado, para mim, um mecanismo onde eu poderia expor as revoltas com as coisas que aconteciam a minha volta. Em 1995 sai um disco que mudaria, mais uma vez, a minha vida: Vamo Batê Lata, dos Paralamas do Sucesso. Disco gravado ao vivo e o show foi repetidamente transmitido pelo canal Multishow. Músicas que já faziam parte de uma memória de infância se atualizavam, em meio a já uma cabeça que se fazia atenta ao que se dava no dia-a-dia "...a esperança não vem do mar, nem das antenas de tv, a arte é de viver da fé, só nao se sabe fé em que..." isso começava a fazer sentido. Músicas essa do lado mais conhecido da banda, mas outra como O Rio Severino,
 que carrega versos como "...És tu Brasil, ó pátria amada, idolatrada/ por que tem acesso fácil a todos os seus bens,/ enquanto o resto se agarra no rosário, sofre reza a espera de um Deus que não vem", e ainda embalada por batidas de ritmos de baião. Daí pra frente, não bastava só escutar música, era necessário falar sobre elas, saber quem as fez, o que queria e o que ela me provocava a pensar. Até hoje carrego isso comigo, mas há uma coisa que teima em se perder e que na época era potente: o ato coletivo, que era escutar música!
Nesses momentos descritos, sempre foram acompanhados por amigos da época da infância. O dois discos citados foram repetidas vezes escutado, juntamente com um grande amigo: Ivan Costa ( do blog Meus Versos, Meu Universo, linkado nos Blogs que leio). Se eu descobria uma banda nova ou um cd antigo, por exemplo, dos Paralamas corria para casa dele, para sentarmos, escutarmos e conversarmos sobre as músicas. Com ele a mesma coisa...eramos vizinhos. Cansamos de ficar horas e horas, sentados ao lado do som escutando bandas como Paralamas, Engenheiros, Legião, Titãs...Outros amigos também se somavam a esses encontros musicais, tais como, hoje em dia, meu cumpadre Rafael. Ou mesmo quando Thiago (hoje Nuts) ia passar férias em Estância.
Sem querer parecer saudosista, mas algo mudou na relação com a música. Não digo só comigo. Falei de minhas histórias, mas com certeza outros tiveram momentos muito parecidos. Assim como outras coisas na nossa vida, escutar música vem se tornando um momento muito individualizado. Não se permite mais que tenhámos aquele tempo de sentar ao lado do som, por o cd/vinil (nem vou falar do k7 hehe, gravei muito programa de rádio, especiais para escutar depois), e curtir o disco do inicio ao final. O lance é carregar as músicas no ipod, mp3/4/5/6/7/8/9/10, celular, por os fones no ouvido e pronto, vc tem sua própria playlist. Cada uma com sua. É só entrarmos em qualquer ônibus, metrô, avião, barcas e lá está alguém, com os fones nos ouvidos.
Alguns podem até falar "mas daí, tem gente que põe cada música tosca, que é preferível que ele escute sozinho", é a tal campanha pelo fone no busão! Concordo que tem coisas que não são do meu agrado. Não estou aqui falando dos outros e me eximindo. Também saio por aí, com os fones nos ouvidos, escutando minha playlist previamente preparada. E claro, que ainda há pessoas que se reunem pra escutar música, não estou generalizando, muito menos totalizando uma situação. Apenas aponto situações que percebo...voltando...
Ninguém quer saber o que outro tá escutando, cada um quer escutar o seu. E muitas vezes, o uso do fone, do mundo musical interno que se cria, serve para nos afastarmos dos outros. Vivemos num mundo onde o outro, o desconhecido é temido. A desconfiança, a priori, virou nosso principal princípio de vida. Sendo assim para evitar contatos imediatos de terceiro grau, as vezes inevitáveis, fingo que estou compenetrado no mundo do ipod e passo despercebido pelo outro, que pode ser uma senhora de idade avançada, que sobre no ônibus, e eu fingo nao ver para não ceder o lugar; ou o estudante que sobre abarrotado de livros e que eu fingo não ver, para não ter o fardo de segurar seus pertençes, para que o mesmo possa se segurar de uma forma melhor, em meio as freadas e avançadas dos motoristas, que por ter que cumprir metas estabelecidas pela empresa, tem que sair que nem doido pela cidade, para cumprir o tempo estipulado de viagem...
Não estou aqui querendo fazer um julgamento moral dos que põe o fone no ouvido e escutam suas músicas. Mas tentando pensar sobre o que é escutar música hoje em dia e em que isso está relacionado com o tipo de vida cada vez mais privada que se impõe aos nossos corpos.

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