sexta-feira, 2 de março de 2012

Sua pressa vale uma vida?

Há um bom tempo que penso em re-ativar esse espaço que criei para traçar algumas reflexões sobre o presente. Ele foi criado em 2008 logo que entrei no mestrado em psicologia social da UFS e estava intrisecamente ligado a minha proposta de estudo na época, que tomava por base a o pensamento do francês Michel Foucault, no que diz da sua perspectiva de uma história que se faz do e no presente, com intuito de desencaminhá-lo, de abrir brechas no que achavamos sólido, permitindo assim outros modos de pensar a vida, o mundo, nossos corpos... 2012, adentro no meu segundo semestre do doutorado, agora em outra cidade e em outra universidade da Univ. Federal Fluminense, mas as minhas inquietações ainda me levam a querer produzir as tais brechas. E vendo que isso tem que está muito mais além que um mero trabalho acadêmico, que ela tem que está na vida, vejo como necessário encontrar e criar outros espaços para tais provocações. É preciso que criemos reverber-ações!
Também nos últimos anos mudei alguns hábitos... cansado de esperar muito pelo busão, para ir para UFS e cansado de, assim que o pegava, de pagar caro por um serviço horrível, resolvi fazer um teste e ir de bike para UFS. De busão, contando o tempo de espera e do traslado, levava em torno 1h20m, para percorrer uns 6km. De bike, logo no primeiro dia, levei algo em torno de 25 a 30min, uma vez que ainda nao tinha me aventurado em meio aos carros, ônibus e caminhões - e para quem anda de bike sabe bem como é isso. Com o tempo de prática em meio ao trânsito louco dos automoveis-motocicletas, comecei a gastar 15min!!
Poderia aqui apontar pela melhoria na qualidade de vida, do corpo constantemente bronzeado que a vida em cima de duas rodas proporciona...mas uma outra coisa, muito mais interessante e estranha ao mesmo tempo começava a saltar aos meus olhos: uma outra cidade, uma outra Aracaju começava a se formar. Coisas que antes não eram percebidas, que se faziam "invisíveis", devido a velocidade com que nossos corpos passam, dentro dos carros e outros veiculos motorizados. E em meio a isso tudo, entro em contato com produções acadêmicas que teimam em pensar sobre isso.
"Corpos de passagem"[1] livro da professora da PUC-SP, Denize Sant'Anna, traz a seguinte linha de problematização, onde a invenção do mundo dos deslocamentos mais velozes - que emerge entre o sec.XIX e XX-, através dos automóveis, trens e aviões, cria novas formas de liberdade, porém também cria agonias, desconfortos. Com advento desses novos meios de circulação por entre os espaços, o que nos passa é muito pouco percebido. As paisagens vão desaparecendo, os corpos também desaparecem em favor de uma velocidade dos movimentos, que impedem de enxergarmos os nossos limites singulares. Por mais que se esteja em movimento, os corpos sentem-se estacionados. A viagem torna-se apenas uma mudança de desenho, de uma localidade.
Tudo aquilo que venha ser visto como obstáculo à velocidade, deve ser vencido..cortam-se arvores, fazem sumir morros inteiros, casas, corpos ao relento, tudo em nome da construção de novas vias de escoamento doque tráfego já congestionado e que passará a congestionar-se em outros lugares... nos transformamos em corpos que apenas passam, mas nao mais apreciam a paisagem, não mais vivem, só passam! A velocidade como sinônimo de eficácia - nos mais variados sentidos que isso possa servir -, o que nos lentifica deve ser atropelado. Apesar de falar diretamente do trânsito, isso serve para outros espaços onde os corpos estão...
Parece que essas questões trazidas por Sant'Anna podem ser pensadas a partir desse caso da ciclista paulista morta ontem, ou do ciclista aracajuano (Rogério) morto em dezembro último. Não que os motoristas tenham feito de propósito - aparentemente -, mas é tão enraizada a idéia da rua para os carros, da velocidade enquanto eficácia, da desensibilização dos corpos, quando nos veiculos, para aquilo que os rodeia, que fica dificil a tão sonhada idéia do trânsito compartilhado... claro que também não pode ser uma barreira para pararmos de lutar, de brigar para que tenhamos o direito - pensado muito além do direito baseado em algum preceito legal/constitucional de base Estatal - de nos deslocarmos como bem entendermos: de bike, a pé, de patinete, de patins, pogobol; essa luta passa por uma discussão muito mais complexa - no sentido de que envolve muitas outras coisas -, que prefiro parar por aqui e continuar em um outro post..

E vamos conversando!

[1] SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Corpos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea. 2ª.ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2005.

* Foto por Léo Barrilari/FRAME/AE, retirado do site http://www.band.com.br/noticias/cidades/noticia/?id=100000489173

2 comentários:

Andressa disse...

Opa Helmir, bacana voltar ao exercício da escrita. Este seu texto que vem tocar na questão da mobilidade, que quando num ritmo mais lento percebemos detalhes antes inviíveis, me fez lembrar o livro de Marc Auge, "Não lugares", que vem tratar da configuração dos espaços muitas vezes designados também só a passagem e não a permanência. A sua indicação de leitura de Denize Sant´anna achei interessante, mas infelizmente não posso ler mais nada de novo pra dissertação...kkkk Enfim, boa sorte com o blog!

Unknown disse...

Olá Andressa! Minha tentativa era de tocar no assunto da mobilidade, mas também trazer a idéia de que isso tb nos joga para pensar outros espaços, q o texto - e essa pra mim é uma das funções da escrita - servisse mais como hipertexto ou como uma espécie de força transdiscursiva. Quanto a Denize, o livro dela é um dos meus de cabeceira, sempre recorro a ele, pq vejo q é bem pontente para pensar questões/problemáticas do contemporâneo. No mais, boa sorte ai nessa etapa final do mestrado, nao sei se poderei ver sua defesa, mas to daqui dessa lado do brasil torcendo sempre pra vc. bjs!